Guerra na Síria entra em momento decisivo com avanço de rebeldes sobre a capital Damasco
08/12/2024
Em apenas 10 dias, tropas insurgentes conquistaram as cidades mais importantes do país. Governo sírio diz ter montado um 'cordão militar' para evitar a derrocada do regime. Rebeldes extremistas chegam à terceira maior cidade da Síria e avançam em direção à capital
A capital Damasco é palco dos momentos decisivos na Síria que podem selar a queda do ditador Bashar al-Assad, no poder há 24 anos.
Segundo relatos de moradores de Damasco publicados pela imprensa internacional nas últimas horas, há membros das forças rebeldes circulando nos arredores da cidade e tiroteios ocorrendo em alguns pontos.
A agência Reuters informou que os rebeldes dizem estar entrando em Damasco sem resistência das Forças Armadas.
Neste sábado (6), o governo sírio acusou os insurgentes de espalharem informações falsas sobre o conflito para aterrorizar a população e criar instabilidade.
O ministro do Interior disse que há um "cordão militar" para proteger Damasco. Não há informações sobre o paradeiro de Assad. Durante a semana, a imprensa americana noticiou que Egito e Jordânia haviam recomendado a ele sair do país.
Em uma ofensiva iniciada há apenas 10 dias a partir do norte, forças lideradas pelo movimento extremista Hayat Tahrir al-Sham (HTS), ou Organização para a Libertação do Levante, conquistaram as cidades de Aleppo e Homs e marcharam rumo à capital, que está mais ao sul. Outras frentes opositoras partiram do sul e do leste, numa tentativa de fechar o cerco a Damasco.
O HTS surgiu como uma filial da Al Qaeda, grupo por trás dos atentados do 11 de Setembro.
Por onde passaram, os rebeldes derrubaram estátuas que homenageiam Hafez al-Assad, pai do atual presidente e fundador da dinastia que está no poder há 50 anos, e tomaram bases militares.
Veja a cronologia do avanço rebelde na Síria
Infográfico/g1
No sábado, ainda numa tentativa de encontrar uma saída diplomática, representantes de Rússia, Turquia e Irã se reuniram no Catar para pedir diálogo entre o governo sírio e as forças opositoras.
No entanto, o chanceler russo, Sergei Lavrov, disse que a negociação não deve incluir os extremistas do HTS. "É inaceitável permitir que um grupo terrorista assuma o controle de territórios", afirmou o ministro de Putin, segundo a agência de notícias russa Tass.
O líder do movimento rebelde, Abu Mohammed al-Golani, disse ao jornal americano The New York Times que o objetivo é derrubar Assad e "libertar a Síria de seu regime opressivo". Segundo ele, as tropas do Exército sírio estão enfraquecidas e desmoralizadas. "Esta operação quebrou o inimigo."
O conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, disse que Assad foi abandonado por seus principais aliados, Rússia e Irã, e ficou numa posição frágil.
Abu Mohammed al-Golani, líder das forças rebeldes que tentam derrubar ditador Bashar al-Assad na Síria
Media Branch of Syrian Rebel Operations Room/via Reuters
Retomada da guerra
A guerra civil na Síria começou em 2011 e, nos últimos quatro anos, parecia estar adormecida. Após um período sangrento de confrontos, que deixaram cerca de 500 mil mortos e causaram um enorme êxodo de sírios, o ditador conseguiu manter o controle sobre a maior parte do território graças ao suporte da Rússia, do Irã e da milícia libanesa Hezbollah.
No entanto, agora a Rússia está em guerra com a Ucrânia, e o Irã vive um conflito com Israel. O Hezbollah, por sua vez, perdeu seus principais comandantes neste ano, mortos em ataques israelenses.
Para os analistas, essa situação faz com que nem Putin nem o regime iraniano estejam dispostos a entrar de cabeça em mais uma guerra.
Um porta-voz do governo da Ucrânia disse que a escalada do conflito na Síria mostra que a Rússia não consegue lutar em duas guerras ao mesmo tempo.
Informações publicadas no sábado indicam que o Hezbollah e o regime iraniano estão retirando tropas que mantêm na Síria.
Assad e o presidente russo, Vladimir Putin, em foto de 2017
Mikhail Klimentyev/Sputnik via Reuters
O cientista político Guilherme Casarões, da Fundação Getúlio Vargas, diz que não é uma coincidência a ofensiva ter sido lançada agora.
"Aqueles que eram os três principais aliados do governo Assad, Hezbollah, Irã e Rússia, estão meio que fora desse envolvimento direto com o conflito, o que abriu uma oportunidade para que os rebeldes tentassem retomar certas posições estratégicas dentro do país. Aleppo, sendo a segunda maior cidade da Síria, é o primeiro destino que eles ocuparam."
Segundo o professor, o acirramento do conflito pode ter consequências em todo o Oriente Médio. Se Assad cair, afirma ele, isso pode criar um vácuo de poder e escalar ainda mais as guerras que envolvem Israel, Hamas, Hezbollah e Irã.
Entenda o que está acontecendo na Síria, que tem avanço de grupo rebelde
'Derrubada próxima'
Em mensagens no aplicativo Telegram, forças rebeldes disseram que a resistência anunciada pelo governo sírio não passa de fake news: "estamos agora na porta de Homs e Damasco, e a derrubada do regime criminoso está próxima".
Os rebeldes afirmam que não vão atacar prédios do governo, nem escritórios da ONU. Também descartam o uso de armas químicas.
Informações da agência estatal de notícias do Iraque apontam que mais de mil soldados do exército sírio cruzaram a fronteira do Iraque.
Já o Líbano disse que está fechando todas as suas travessias de fronteira terrestre com a Síria, exceto uma principal que liga Beirute a Damasco. A Jordânia também fechou a fronteira.
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Rebeldes comemoram tomada de aeroporto militar na cidade de Hama, na Síria
Mahmoud Hasano/REUTERS
O que está acontecendo na Síria
A ofensiva dos rebeldes reacendeu a guerra na Síria, que estourou em 2011, quando o governo reprimiu manifestações da Primavera Árabe.
Naquele momento, as manifestações começaram de forma pacífica, com movimentos pedindo mais democracia e liberdades individuais. Os manifestantes também acusavam o governo de corrupção e nepotismo.
Diante da repressão violenta do Exército, o governo sírio viu surgir uma revolta armada apoiada por militares desertores e grupos terroristas, entre eles o Estado Islâmico. Nesse contexto, começou uma guerra civil.
À época, grupos rebeldes entraram em conflito com as forças de Assad, que perdeu o controle de alguns territórios, mas conseguiu se manter no poder. Com o tempo, Assad retomou o controle de cerca de 70% do território.
Repercussão internacional
Donald Trump em Paris, 7/12/2025
Sarah Meyssonnier / Pool / AFP
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que toma posse em janeiro, defendeu que o país não deve se envolver no conflito.
"A Síria é uma bagunça, mas não é nossa amiga, e os Estados Unidos não têm nada a ver com isso. Esta luta não é nossa, deixem que aconteça. Não se envolvam", escreveu Trump em um post na rede Truth Social.
O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, disse que cabe ao povo sírio decidir o futuro do país. "Agora há uma nova realidade na Síria, política e diplomaticamente. E a Síria pertence aos sírios com todos os seus elementos étnicos, sectários e religiosos", disse.
"O povo da Síria é quem decidirá o futuro de seu próprio país. Como Turquia, nosso desejo é que a nossa vizinha Síria recupere rapidamente a paz, a estabilidade e a tranquilidade que tanto anseia há 13 anos", completou Erdogan. Há anos, a Turquia apoia forças de oposição na Síria.
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Tobias Lindner, pediu que as partes envolvidas no conflito "diminuam a tensão e lembrem de sua obrigação de proteger os civis".